O governo do Paquistão sinalizou uma possível reforma nas controversas leis de blasfêmia, após uma série de medidas contra o extremismo religioso e declarações do ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Azam Nazeer Tarar, que prometeu “novas salvaguardas processuais” para evitar abusos da legislação.
O anúncio foi feito em 16 de outubro, durante um simpósio nacional sobre Harmonia Inter-religiosa e Direitos Fundamentais, realizado em Islamabad.
Proposta de mudança
Segundo Tarar, o governo pretende prevenir falsas acusações, assegurar investigações justas e garantir sensibilidade judicial em casos de blasfêmia, considerados crime capital quando direcionados ao profeta Maomé. Ele afirmou que “a proteção das minorias e o respeito aos seus direitos estão no cerne da Constituição paquistanesa” e que o Estado tem responsabilidade direta em promover tolerância e equilíbrio religioso.
O ministro também fez um apelo ao judiciário, à mídia e à sociedade civil para cooperarem na promoção do diálogo e da compaixão entre comunidades. As reformas, segundo ele, buscam reduzir décadas de violência e injustiça, muitas vezes resultantes de acusações infundadas usadas como instrumento de vingança pessoal.
Reação
O deputado Ejaz Alam Augustine, representante cristão do Punjab, elogiou o plano de reforma, afirmando que o extremismo no país tem sido alimentado pelo uso indevido das leis de blasfêmia. “O sacrilégio é inaceitável, mas o abuso dessas leis para perseguições pessoais tem levado à violência e ao medo entre minorias”, disse. Para ele, a revisão é essencial para proteger comunidades vulneráveis e garantir justiça igualitária.
Em 23 de outubro, o governo federal aprovou uma nova proibição ao Tehreek-i-Labbaik Pakistan (TLP), sob a Lei Antiterrorismo, após protestos violentos que deixaram mortos e bloquearam rodovias entre Karachi e Islamabad. O grupo, fundado em 2015 e transformado em partido político no ano seguinte, já havia sido banido em 2021, mas teve a restrição suspensa meses depois.
Autoridades afirmaram que a medida atual se deve ao descumprimento das promessas de não recorrer à violência. O ministro de Estado do Interior, Talal Chaudhry, afirmou que o TLP “agiu como um grupo extremista e violou seus compromissos anteriores”.
Repressão
Fontes de segurança relataram que o nível de radicalização religiosa no país alcançou ponto crítico, tornando a ação governamental “inevitável”. Segundo dados internos, 95% dos candidatos a cargos de segurança de base declararam apoiar o assassinato do governador de Punjab, Salmaan Taseer, morto em 2011 por criticar as leis de blasfêmia.
O TLP, que ganhou destaque ao defender o autor do crime, foi associado a crescentes acusações de blasfêmia e a ataques contra cristãos e ahmadis. Em agosto de 2023, seus apoiadores destruíram igrejas e casas cristãs em Jaranwala, após dois homens serem falsamente acusados de profanar o Alcorão. Em junho de 2024, um cristão idoso, Nazeer Masih Gill, foi linchado em Sargodha sob acusação semelhante.
Minorias religiosas
A repressão ao extremismo e o plano de revisão legal representam um teste decisivo para o futuro da liberdade religiosa no país. A expectativa é de que as novas salvaguardas judiciais possam reduzir abusos e proteger minorias cristãs, hindus e ahmadis, frequentemente afetadas por acusações sem provas, de acordo com informações do portal Christian Today.
Embora a iniciativa ainda dependa de aprovação legislativa, o governo reconhece que as leis de blasfêmia, criadas no período colonial britânico, têm sido manipuladas por décadas. O debate atual reflete uma tentativa inédita de reconciliar fé, justiça e segurança nacional em uma das sociedades mais sensíveis do mundo islâmico.