NT Wright: cristãos interpretam mal o céu e a guerra espiritual

O teólogo britânico NT Wright, ligado à Igreja Anglicana, acredita que muitos cristãos no Ocidente têm uma visão equivocada do objetivo central da fé cristã. Segundo ele, ao invés de entenderem o cristianismo como a história de Deus renovando todo o cosmos — Céu e Terra unidos — muitos foram ensinados a ver a salvação como um plano de fuga individual, onde a alma sobe para o Céu após a morte do corpo.

Esse entendimento, de acordo com Wright, não apenas distorce a teologia da vida após a morte, mas também influencia a interpretação de temas como as profecias sobre o Fim dos Tempos e a guerra espiritual. “O problema é que a maioria dos cristãos ocidentais hoje pensa que o objetivo principal do cristianismo é que nossas almas vão para o Céu quando morremos, enquanto o Novo Testamento se concentra em Deus vindo habitar conosco”, explicou o teólogo em entrevista sobre seu livro A Visão de Efésios: A Tarefa da Igreja e a Glória de Deus. “A direção da viagem está errada, o resultado está errado e os estágios intermediários estão errados”.

Para Wright, essa interpretação equivocada moldou gerações de fiéis e a maneira como as Escrituras são lidas e entendidas. Ele observa que, no contexto do cristianismo primitivo, a ideia da alma subindo ao Céu não era uma crença comum entre os cristãos originais. “Essas eram as pessoas que hoje chamamos de platônicos médios, pessoas como Filo de Alexandria ou Plutarco. Eles falavam alegremente sobre suas almas indo para o Céu. Os primeiros cristãos, na verdade, não falavam assim”, disse Wright.

Em vez disso, o Novo Testamento apresenta uma visão diferente: não a partida da humanidade para o Céu, mas a chegada divina à Terra. Wright aponta para os capítulos finais do Apocalipse, onde “a habitação de Deus está com os homens”, e para Efésios 1:10, que descreve o propósito eterno de Deus de “reunir em Cristo todas as coisas, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra”. “Mas seria de se esperar que o plano de Deus desde o princípio fosse nos permitir deixar a Terra e ir para um lugar chamado Céu”, refletiu. “Mas não é disso que trata Efésios, ou mesmo o restante do Novo Testamento”.

Wright também destaca a importância das traduções bíblicas. A palavra grega “psique”, frequentemente traduzida como “alma”, tem sua raiz no hebraico nephesh, que se refere à pessoa como um todo, e não a uma essência imortal. “Nefesh é o ser humano por inteiro; uma tradução melhor seria ‘pessoa’”, explicou. Passagens que muitas vezes alimentam interpretações platônicas, como a fala de Jesus ao ladrão na cruz (“Hoje estarás comigo no Paraíso”), são frequentemente simplificadas demais, segundo Wright.

Segundo ele, a “visão ocidental” sobre a questão da salvação tem se confundido com influências da filosofia grega. “Você pode se desvincular do platonismo de diferentes maneiras, mas basicamente é isso que vem acontecendo há centenas de anos”, afirmou. Para Wright, a premissa de que a questão religiosa essencial é “Como minha alma chega ao Céu?” tem guiado o ensino cristão desde a Reforma, sem que essa questão fosse amplamente questionada em sua essência.

Em seu livro, Wright argumenta que Efésios desafia essa questão, mostrando que o propósito de Deus desde o princípio é a união do Céu e da Terra sob Cristo. A oração de Paulo em Efésios 1:3-14, segundo Wright, está cheia de imagens da criação judaica e do Êxodo, culminando na declaração de que o objetivo de Deus sempre foi essa união.

Essa nova compreensão tem implicações para o conceito de “Fim dos Tempos”, um termo que Wright considera ser “muito americano”. Ele acredita que a popularização do dispensacionalismo, uma teologia que introduziu a ideia do arrebatamento e um cronograma apocalíptico, é responsável pela visão de um “fim dos tempos” com um conflito final no Armagedom. “Todo o movimento dispensacionalista gerou essa ideia de um tempo específico que podemos chamar de ‘Tempos do Fim’”, disse Wright, destacando que o Novo Testamento não sustenta essa estrutura.

Embora o dispensacionalismo tenha perdido força entre os estudiosos, continua popular entre os cristãos leigos. “Eu e outros já escrevemos mostrando que o Novo Testamento simplesmente não valida nem sustenta nada parecido com essa combinação de arrebatamento, Armagedom, etc.”, afirmou Wright. Ele também observou que esse apelo psicológico é compreensível, pois permite que as pessoas se sintam em uma posição de vantagem, acreditando em uma “verdade secreta” que está prestes a se revelar.

Wright também critica o modo como essa teologia se mistura com a política e com os conflitos no mundo real. Ele recorda os anos após o 11 de setembro, quando alguns grupos cristãos interpretaram o conflito no Oriente Médio como parte de um cumprimento apocalíptico das profecias. “Nós, do resto do mundo, olhamos para isso e pensamos: ‘Por favor, espero que vocês consigam se organizar’, porque o mundo é um lugar perigoso demais para que o país mais poderoso da Terra seja dominado por isso”, disse ele.

O teólogo reafirma que, segundo o Novo Testamento, na morte, ressurreição e ascensão de Jesus, Deus já iniciou a criação renovada. “Deus fez o que disse que faria e continua fazendo até o dia em que Jesus voltar”, afirmou. Ele também ressaltou que a Igreja tem um papel fundamental nessa renovação contínua, sendo “o pequeno modelo funcional da nova criação”, como descrito em Efésios.

No que diz respeito à “guerra espiritual”, Wright acredita que a visão popular sobre o tema foi distorcida. Em Efésios 6, onde os cristãos são exortados a vestir a “armadura de Deus”, Wright coloca essa passagem em contexto com Efésios 1 e 2, que dizem que os crentes já estão “assentados nos lugares celestiais em Cristo”. “A batalha está acontecendo agora nos lugares celestiais”, explicou Wright, destacando que a verdadeira luta não é contra forças demoníacas, mas contra a identificação errônea dos inimigos.

Wright alertou contra os extremos teológicos, seja o ceticismo que rejeita o mal espiritual ou a tendência de ver demônios em tudo. “Existem dois erros iguais e opostos. Por um lado, as pessoas que dizem que tudo isso não passa de bobagem medieval. Por outro lado, as pessoas que veem demônios em cada esquina”, afirmou, citando CS Lewis.

A Igreja Cristã primitiva, disse Wright, foi a primeira comunidade verdadeiramente multinacional e multiétnica da história, sendo um exemplo visível de que Jesus é o Senhor. Ele enfatizou que, para os cristãos, o objetivo agora é criar igrejas que reflitam a nova criação de Deus. “Nossa tarefa agora é crer no Deus do Evangelho de tal forma que possamos, de fato, fazer crescer igrejas que exemplifiquem essa ideia do pequeno modelo de trabalho da nova criação”, concluiu, de acordo com o informado pelo The Christian Post.