Síria: guerra civil reduziu população cristã em 80% em 14 anos

Um relatório divulgado pela organização Oeuvre d’Orient aponta que a presença cristã na Síria foi reduzida em cerca de 80% desde 2011, ano de início da guerra civil. Com raízes que remontam aos primeiros séculos do Cristianismo, a região é considerada um dos berços da fé cristã, citada no Novo Testamento como parte das rotas missionárias dos apóstolos e marcada por centros históricos como Antioquia, hoje em território sírio.

Segundo o relatório, restam atualmente entre 300 mil e 400 mil cristãos no país, em sua maioria idosos, o que levanta preocupações sobre a continuidade da comunidade. A violência armada, a atuação de grupos extremistas, prisões arbitrárias, sequestros e abusos atingiram diferentes segmentos da população, mas bairros cristãos em cidades como Aleppo estiveram entre os mais expostos ao conflito.

O gerente de projetos da Oeuvre d’Orient na Síria e no Líbano, Vincent Gélot, relatou episódios ocorridos durante a ocupação do Estado Islâmico, incluindo imposição de taxas, detenções e sequestros, como o caso de 230 civis levados em Al-Qaryatayn em 2015, entre eles mulheres e crianças. O patrimônio religioso também foi afetado, com igrejas danificadas ou destruídas ao longo do conflito.

O êxodo cristão foi impulsionado por múltiplos fatores, entre eles a guerra civil, perseguições religiosas, sanções internacionais, serviço militar obrigatório e o terremoto de 2023. Em Deir Ezzor, por exemplo, restam apenas quatro cristãos, ante cerca de 7 mil antes de 2011. Estima-se que o conflito sírio tenha causado mais de 520 mil mortes, além de milhões de refugiados e deslocados internos.

Apesar de o regime de Bashar al-Assad ter se apresentado como protetor das minorias religiosas, o relatório afirma que não houve contenção do êxodo cristão. A crise econômica prolongada, a instabilidade política e a falta de garantias de segurança contribuíram para a saída contínua dessas comunidades.

Mesmo diante do declínio, organizações cristãs mantêm uma rede de apoio humanitário e social. Dados citados no relatório indicam que cerca de 2 milhões de pessoas são beneficiadas por associações ligadas às Igrejas. Em parceria com o Hope Center Syria, a Oeuvre d’Orient informou que 117 mil sírios de diferentes religiões recebem atendimento anual em quatro hospitais cristãos em Damasco e Aleppo.

A educação também é apontada como prioridade. Igrejas administram 57 escolas, que atendem cerca de 30 mil alunos de diversas religiões. Há negociações em curso para recuperar escolas confiscadas pelo Partido Baath, e o relatório alerta para sinais de islamização e discriminação em materiais didáticos, defendendo mecanismos internacionais de proteção à diversidade religiosa.

Do ponto de vista demográfico, o relatório descreve um envelhecimento acentuado da comunidade cristã. Em cidades como Aleppo, apenas um sexto dos cristãos que viviam ali antes da guerra permanece. Segundo Gélot, mais de 50% dos cristãos atuais têm mais de 50 anos, configurando uma pirâmide etária invertida.

O documento também aborda episódios recentes de violência comunitária, incluindo ataques a igrejas, como o ocorrido em junho, durante uma celebração na igreja de Mar Elias. De acordo com Gélot, foi a primeira vez, desde o início da guerra, que uma igreja foi atacada durante uma missa. O relatório menciona ainda tensões envolvendo outras minorias, como os druzos, e registros de insegurança em regiões como Homs, Hama e Latakia.

Atualmente, representantes das Igrejas mantêm diálogo com o presidente de transição em Damasco, participando de reuniões nas quais patriarcas e bispos apresentam avaliações sobre a situação do país e os desafios enfrentados pelas comunidades religiosas no período pós-guerra.