É possível perdoar uma traição e seguir em frente?

A traição não é uma triste realidade que não existe apenas fora do ambiente cristão, mas também dentro dele, inclusive em contextos de liderança. Se trata de algo que envolve diversos aspectos, sejam eles psicológicos, emocionais, físicos e também espirituais. Mas, diante disso, é possível perdoar?

A descoberta de uma traição conjugal desencadeia uma crise que ultrapassa a ruptura do relacionamento, atingindo a identidade emocional do traído. Segundo Vânio Domingos, especialista com anos de experiência clínica, a questão central torna-se “o que fazer com essa dor?” – dilema que acompanha vítimas de infidelidade.

Dados da USP (2025) indicam que mais de 40% dos relacionamentos enfrentam episódios de infidelidade, com cerca de 60% culminando em separação. Contudo, Domingos enfatiza que a reconciliação é viável quando há arrependimento genuíno, reconstrução da verdade e compromisso afetivo renovado.

Do ponto de vista científico, a traição revela-se multifacetada: a psicanálise a interpreta como “ato sintomático” que expõe insatisfações reprimidas e falhas comunicativas, enquanto a neurociência comprova que o cérebro reage ativando áreas associadas à dor física (córtex cingulado anterior e amígdala). “O sofrimento não é exagero: é biológico”, sintetiza o psicanalista.

O cerne da questão

Domingos desvincula radicalmente perdão e permanência no relacionamento, explicando que, diferentemente do que muitos imaginam, a pessoa traída não precisa continuar se submetendo a situações de sofrimento decorrentes da infidelidade, apenas por achar que isso seria a vontade de Deus.

Na Bíblia, teólogos e pastores de várias tradições concordam que o adultério é uma das “cláusulas” aceitáveis para o divórcio, sendo o abandono do lar, algo caracterizado de muitas maneiras, inclusive a violência física, a outra. Ou seja, quem é vítima de traição pode, sim, se divorciar, pois será uma decisão justificada.

Mas, e o perdão?

Por outro lado, existe a possibilidade de perdoar uma traição? Para o psicanalista, tudo depende do contexto, o qual envolve a capacidade de lidar com o trauma decorrente da infidelidade, bem como da mudança de vida daquele que traiu.

Perdoar não é esquecer. É ressignificar. É decidir conscientemente não permitir que a dor defina sua vida – com ou sem o parceiro”. Ele confronta pressões externas ao declarar em sessões: “Perdoar e partir não te faz menos cristão nem imaturo. Te faz digno”, reinterpretando Mateus 6:14 como “convite à liberdade interior”, não obrigação de manter vínculos.

Na prática clínica, ambos os desfechos mostraram-se válidos: desde casais que reconstruíram bases sólidas até indivíduos que floresceram sozinhos. O alerta decisivo é contra permanecer “sob culpa, pressão social ou falsa obrigação religiosa”, diz o profissional.

Como conclui Domingos: “Perdão é escolha. Ficar junto, também. O inaceitável é viver sem verdade”. Com informações: Comunhão.

*(Fonte: Departamento de Psicologia da USP/2025)*