“Sombras no Deserto”: filme que retrata Jesus gera grave polêmica

A indústria cinematográfica de Hollywood frequentemente recorre a narrativas bíblicas, gerando produções que culminam em polêmica. O mais recente lançamento, “Sombras no Deserto”, é um exemplo que chegou aos cinemas nesta semana, colocando o astro Nicolas Cage no papel de José, pai de Jesus.

O longa, classificado como “thriller sobrenatural”, explora a juventude de Jesus Cristo, retratando-o a descobrir os seus poderes e a utilizá-los para seu próprio benefício, enquanto é observado por uma representação de Satanás na forma de um adolescente.

A produção, cujo argumento é baseado no livro apócrifo [não reconhecido na Bíblia] “Evangelho da Infância de Tomé”, foi alvo de uma onda de críticas por parte de grupos cristãos. Estes classificaram o filme como blasfemo, particularmente pela caracterização de um Jesus jovem repleto de medos e incertezas, que chega a matar uma criança, ressuscitar insetos e admirar uma mulher nua.

A controvérsia reacendeu um questionamento histórico: a razão pela qual os evangelhos canónicos não relatam eventos da vida de Cristo entre os seus 12 e 30 anos.

Em declarações, o historiador e teólogo, pastor Wagner Augusto Vieira Aragão, explicou que o objetivo central dos evangelhos não era biográfico, mas teológico. “João afirma abertamente que ‘há muitas outras coisas que Jesus fez’ (João 21:25), mas apenas o essencial para a fé foi registado. A ausência de detalhes não indica mistério ou espaço para especulações, mas reflete que Deus revelou o suficiente para nossa convicção”, afirmou Aragão.

O teólogo enfatizou que, apesar da ausência de relatos detalhados, a Bíblia garante a santidade de Jesus ao longo de toda a sua vida.

“Ele nasceu ‘santo’ (Lucas 1:35), não herdou predisposição para o pecado. Ele ‘nunca pecou’ (1 Pedro 2:22). ‘Em tudo foi tentado, mas sem pecado’ (Hebreus 4:15). O breve relato de Lucas (12 anos) o mostra obediente, sábio e comprometido com o Pai (Lucas 2:49-52). A Bíblia não descreve toda a infância de Jesus porque não há lacunas morais ou espirituais a serem preenchidas. Ele foi santo ontem, hoje e sempre (Hebreus 13:8)”, explicou.

Sobre a utilização de poderes sobrenaturais durante a infância, o pastor afirmou não existir base bíblica para tal ideia. “O registro dos evangelhos mostra que: Seus sinais começam após o batismo, quando o Espírito Santo O unge para a missão (Lucas 3:21-23; Mateus 3:16; João 2:11). Antes disso, Ele vive como qualquer criança e adolescente piedoso, ‘crescendo em sabedoria, estatura e graça’ (Lucas 2:52)”, justificou.

E completou: “Nas Escrituras, o uso de Seu poder sempre está ligado a: propósito redentivo, revelação do Reino e confirmação messiânica. Jamais a caprichos, impulsos ou demonstrações arbitrárias de força”.

Questionado sobre a fiabilidade dos livros apócrifos, Wagner Aragão esclareceu que textos como o “Evangelho da Infância de Tomé” surgiram entre os séculos II e IV, posteriormente aos relatos apostólicos. Estes, segundo ele, apresentam “contradições doutrinárias com os evangelhos inspirados, elementos fantasiosos, quase míticos, autoria duvidosa ou anónima e intenções teológicas distorcidas”.

Sobre a possibilidade de um cristão assistir a filmes como “Sombras no Deserto”, o pastor orientou que a Bíblia não proíbe, mas recomenda discernimento, devendo ser encarado como mera peça de ficção e não como uma retratação histórica.

“O cristão pode ver a obra com senso crítico, desde que saiba que não se trata de retrato histórico, entenda que é ficção especulativa, identifique o que contradiz a Bíblia e não permita que isso abale sua fé. Para quem é mais sensível ou impressionável, é melhor não consumir”, afirmou.

Por fim, o teólogo comentou as possíveis motivações por trás de tais produções. “Há um interesse comercial. Jesus, mesmo quando distorcido, atrai atenção mundial. Polémica gera audiência, que gera lucro. Narrativas ‘alternativas’ vendem, ou seja, a cultura atual adora versões que contradizem a tradição”, destacou.

A sua recomendação final, segundo a Comunhão, para os fiéis foi o aprofundamento no estudo das Escrituras: “Quem entende a Bíblia não se abala com versões distorcidas. Nunca confunda entretenimento com teologia”.