William Douglas, juiz federal, professor de direito e autor de inúmeras obras, fez uma análise preocupante sobre uma recomendação do Ministério Público Federal (MPF) que levou à extinção do serviço de Assistência Espiritual da Polícia Rodoviária Federal (PRF), a qual teve por alegação a suposta violação ao “Estado laico”.
O jurista, que também é pastor, identificou um padrão de atuação persecutória contra expressões da fé cristã por parte de alguns membros do MPF. O caso envolve a Recomendação PRDC/RJ 16/25, assinada pelo procurador Jaime Mitropoulos, que determinou o fim completo do apoio espiritual aos policiais.
William Douglas apontou que este não é um caso isolado. Ele citou, por exemplo, outro processo judicial movido pelo MPF contra o diretor do Arquivo Nacional (Processo 0161758-57.2016.4.02.5101), que permitia reuniões religiosas facultativas em espaços públicos. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no entanto, decidiu que a conduta não configurava violação ao Estado laico, reconhecendo que tais encontros “fomentam solidariedade, reduzem o estresse e favorecem o bem-estar dos servidores”.
O professor destacou ainda outras frentes de atuação do MPF que atingem diretamente a liberdade religiosa, em especial a dos cristãos: “Há um esforço para criminalizar como transfóbicos padres e pastores, e outros cidadãos, que tão somente repetem o que a Bíblia diz e mencionam verdades biológicas”, afirmou ele, ressaltando que tais ações representam “cruzadas antirreligiosas utilizando a força institucional do MPF”.
“O Brasil é um país de fé plural, e não um país de fé proibida. O papel do Ministério Público é defender a Constituição, não reinterpretá-la para atender à própria descrença de alguns de seus membros. Reprimir a capelania é reprimir o espírito da liberdade. O Brasil precisa de mais razão jurídica e menos militância ideológica”, diz o professor em seu artigo para a revista Comunhão.
Em outro trecho do seu artigo, William Douglas também lamentou o fato da própria PRF ter acatado a recomendação do MPF, pontuando que isso pode ter ocorrido, também, devido ao receio dos gestores da entidade, em particular o seu diretor-geral, de ser alvo de ações judiciais como represália.
“A decisão da PRF de aceitar a recomendação do MPF e revogar a sua Comissão de Assistência Espiritual (Portaria 1589/2025) é um retrocesso jurídico, cultural e humano. Significa ceder à pressão que sabemos ser de monta considerável, mas que precisa ser rejeitada, já que contraria os artigos 5º e 19 da Constituição. Falar em ‘aceitar a recomendação’ seria injusto com o Diretor-Geral da PRF, pois a expressão ‘recomendação’ traz consigo uma verdadeira ironia, já que, na prática, é uma espécie de ‘coação legalizada’, pois todo gestor sabe os ônus de responder a uma ação civil pública do MPF”, avalia Douglas.
Distorção da laicidade
A análise do professor Douglas chama atenção, também, para o desequilíbrio na aplicação do conceito de Estado laico. Enquanto a Constituição Federal, em seu artigo 5º, assegura “a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva”, o MPF atua no sentido de impedir que servidores públicos – “adultos, conscientes e livres” – recebam apoio espiritual voluntário fora do horário de serviço.
Douglas lembra que a PRF cedeu à pressão institucional revogando a Portaria 1589/2025, que estabelecia a Comissão de Assistência Espiritual. O especialista atribui essa decisão ao “receio de problemas” diante do poder institucional do Ministério Público, citando trecho do ofício do MPF que menciona explicitamente a possibilidade de “ajuizamento de ações civis públicas” em caso de descumprimento da recomendação.
O caso atual representa, segundo Douglas, a reativação de uma tese já rejeitada pelo Judiciário em 2017, quando o mesmo procurador havia manifestado posicionamento semelhante. Para o jurista, a postura do MPF transforma a laicidade em “instrumento de exclusão”, contrariando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que defende neutralidade sem hostilidade e “igual respeito a todas as crenças e não crenças”.
O jurista, por fim, explica o verdadeiro e correto conceito de Estado laico: “Se qualquer grupo religioso, ou mesmo ateu, quiser instituir uma assistência espiritual própria, poderá fazê-lo – é isso que o verdadeiro Estado laico garante. O que a minoria não pode é impedir a manifestação da maioria. E, num país em que mais de 90% da população se declara cristã, negar a existência de capelania cristã é negar a realidade cultural nacional. E, repita-se, qualquer outro grupo religioso também pode se organizar e proporcionar esse tipo de amparo.”