Duas igrejas históricas da cidade de Mosul, no norte do Iraque, foram oficialmente reabertas após anos de restauração, quase uma década depois de terem sido destruídas durante a ocupação do Estado Islâmico. As cerimônias de reconsagração, realizadas em 16 e 17 de outubro, representaram um raro momento de renovação para a comunidade cristã local, hoje reduzida a poucas dezenas de famílias.
Na quarta-feira, moradores, líderes religiosos e autoridades internacionais se reuniram para inaugurar a Igreja de São Tomás, templo ortodoxo siríaco do século VII, e a Igreja Católica Caldeia de Al-Tahira, conhecida como “A Imaculada”. Fadi, cristão de 27 anos natural de Mosul que trabalhou três anos na restauração, afirmou que as reaberturas são “um sinal de esperança” para os cristãos deslocados.
“Isso mostra aos cristãos que vivem no exterior que as coisas estão melhores aqui agora, que eles podem voltar para casa”, disse Fadi.
Ambas as igrejas estão localizadas na Cidade Velha de Mosul, área que esteve sob controle do Estado Islâmico entre 2014 e 2017. Durante esse período, a Igreja de São Tomás foi transformada em prisão, e Al-Tahira foi bombardeada, ficando em ruínas. A restauração começou em 2022, como parte de uma iniciativa internacional para recuperar marcos culturais danificados pela guerra.
O projeto foi conduzido pela Fundação Aliph, organização dedicada à proteção do patrimônio em zonas de conflito, em parceria com o Conselho Estatal de Antiguidades e Patrimônio do Iraque. A execução das obras foi supervisionada pela instituição católica francesa L’Oeuvre d’Orient, com apoio técnico do Instituto Nacional do Patrimônio da França, de acordo com informações do The Christian Post.
A população cristã de Mosul, que chegou a representar cerca de 14% dos habitantes, hoje não passa de 60 famílias entre os quase 2 milhões de moradores da cidade, segundo o portal católico Zenit. “Essas igrejas não são apenas pedras. Elas são a memória da fé, da história e da comunidade”, declarou o arcebispo Najeeb Michael Moussa, bispo caldeu de Mosul, durante a cerimônia. Ele acrescentou que “a fé pode ser ferida, mas não extinta”, e que cada toque de sino “chama não apenas os fiéis, mas o futuro”.
Antes da reconstrução, as equipes especializadas precisaram remover minas terrestres e artefatos explosivos deixados pelo conflito. Entre os elementos restaurados está a porta de alabastro do século XIII da Igreja de São Tomás, esculpida em mármore local — conhecido como farsh — e representando Cristo com os doze apóstolos. Os novos sinos, fundidos na oficina Cornille Havard, na Normandia, voltaram a tocar sobre Mosul. A mesma fundição havia restaurado os sinos da Catedral de Notre-Dame de Paris. As inscrições nos sinos trazem as frases “A verdade vos libertará” e “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou”.
A reconsagração de Mar Toma ocorreu em uma celebração ortodoxa, enquanto a reabertura de Al-Tahira foi realizada no dia seguinte, 17 de outubro. A cerimônia civil conjunta marcou a abertura pública dos templos à população de Mosul. O evento contou com a presença do Patriarca Louis Raphaël Sako, líder da Igreja Caldeia do Iraque, e do Patriarca Ortodoxo Siríaco Mor Ignatius Aphrem II, além do ministro da Cultura do Iraque, Ahmed al-Badrani, do governador de Nínive, Abdul Qadir al-Dakhil, do embaixador francês Patrick Durel e de representantes da UNESCO e da Œuvre d’Orient, segundo a Syriac Press.
Em seu discurso, Sako afirmou que a restauração “não é apenas uma questão de restaurar pedras, mas de restaurar a confiança — uma mensagem de paz e esperança para o povo de Mosul e de todo o Iraque”. O patriarca lembrou que, antes da guerra, a cidade abrigava 13 igrejas caldeias e três mosteiros, a maioria hoje abandonada. Ele recordou ainda que Mosul “era um reduto cristão muito antes da chegada dos muçulmanos no final do século VII”.
Diante dos fiéis, Sako apelou por “confiança mútua e relações humanas, fraternais e nacionais”, alertando que “o extremismo e o sectarismo jamais poderão construir um Estado ou paz”. Enfatizou também a necessidade de reconstruir a sociedade “com base nos valores de fraternidade, respeito e aceitação dos outros”.
Em referência direta ao Movimento Babilônia, partido político apoiado pelo Irã e liderado por Rayan al-Kildani, o patriarca declarou: “Nós, cristãos, não temos milícias e, se tais grupos existem, eles não têm nada a ver com a ética cristã, e nós não os reconhecemos”. Ele defendeu que os cristãos no Iraque possam “viver com direitos plenos e iguais sob estratégias legais, políticas e de segurança coerentes”.
A Igreja de São Tomás é tradicionalmente associada ao local onde o apóstolo Tomé teria permanecido antes de seguir para a Índia. Já Al-Tahira está ligada a uma suposta aparição mariana que, segundo a tradição, teria protegido a cidade de uma invasão persa em 1743. Ambas as igrejas são conhecidas por sua importância simbólica como pontos de encontro entre cristãos e muçulmanos em Mosul.
As duas restaurações integram o programa “Mosaico de Mosul”, desenvolvido pela Fundação Aliph para recuperar o patrimônio cultural destruído durante o conflito. O projeto incluiu a desativação de explosivos e a reconstrução arquitetônica detalhada, preservando elementos originais e a memória histórica de uma das mais antigas comunidades cristãs do Oriente Médio.