O roteirista e diretor Alex Woo desenvolveu Nos Seus Sonhos, animação sobre dois irmãos que viajam pela paisagem do próprio subconsciente, com a intenção de questionar, e não reforçar, a ideia de que é preciso “acreditar em si mesmo” a qualquer custo.
Segundo o cineasta, vencedor do Emmy, o projeto nasceu de uma reação à pressão crescente para que pessoas, especialmente crianças, vivam vidas consideradas perfeitas e realizem todos os seus objetivos.
“Eu realmente fiz este filme porque sinto que existe muita pressão sobre as pessoas e as crianças para viverem vidas perfeitas e realizarem seus sonhos”, afirmou Woo. Ele observou que, “principalmente na cultura americana, existe essa ideia de que você deve sempre perseguir seus sonhos com todas as suas forças, não importa o quê”. Para o diretor, quando esse ideal se torna absoluto, “pode tomar um rumo sombrio” e “quase se tornar um ídolo”.
Classificado como Livre e disponível na Netflix, Nos Seus Sonhos apresenta uma narrativa em que dor e medo aparecem como potenciais professores na formação de alguém. A leitura de que a obra dialoga com temas presentes na tradição bíblica surge mesmo sem menções diretas à fé no roteiro.
A história acompanha Stevie, uma adolescente perfeccionista e tensa, e seu irmão mais novo, Elliot, caracterizado como otimista e espontâneo. Ao caírem no mundo dos sonhos, eles enfrentam uma girafa de pelúcia sarcástica, comidas de café da manhã em versão zumbi e a Rainha dos Pesadelos, Nightmara, personagem que afirma: “Os pesadelos nos tornam fortes o suficiente para enfrentar o desconhecido”.
Para Woo, essa frase sintetiza a crítica ao que ele chama de “versão ocidentalizada do sucesso”, modelo que valoriza a ambição sem limites e reserva pouco espaço para o fracasso e o sofrimento. “A ambição é saudável”, explicou. “Mas se ela se tornar tudo, pode te consumir. Os momentos em que mais cresci, ou em que meus relacionamentos mais se aprofundaram, não foram em tempos perfeitos; foram nos meus momentos mais sombrios, quando eu sentia que estava vivendo um verdadeiro pesadelo”.
A reflexão encontra paralelo em textos do Novo Testamento que relacionam sofrimento e crescimento espiritual. Em Romanos 5, o apóstolo Paulo escreve: “O sofrimento produz perseverança, a perseverança, um caráter aprovado; e o caráter aprovado, esperança”.
Em outra cena da animação, Nightmara, que representa o medo, lembra que superar o caos exige apegar-se a algo constante, uma presença que sempre esteve ali. Para espectadores cristãos, essa ideia pode remeter à concepção bíblica de Deus como referência imutável em um mundo marcado pela mudança.
Woo também relaciona essa noção ao tema do amor. “A única constante na vida é a mudança”, afirmou. “Mas a outra constante, aquela que importa, é o amor. O amor da sua família, dos seus amigos, das pessoas que permanecem ao seu lado. É isso que te ajuda a sobreviver à mudança”.
O diretor já relatou experiências pessoais que influenciaram sua abordagem narrativa, como o episódio em que, ainda criança, acordou e descobriu que a mãe havia saído de casa por um período, situação que abalou sua sensação de segurança. “Espero que as pessoas saiam daqui com essa mensagem”, disse. “Que o amor, o amor verdadeiro, não o amor perfeito, é o que nos ajuda a superar as dificuldades”.
No enredo de Nos Seus Sonhos, essa perspectiva aparece na evolução da relação entre os irmãos. Stevie inicia a história acreditando que pode “consertar” a família se encontrar o Sandman, figura mística capaz de realizar desejos. Ao final, ela entende que a cura que buscava estava ligada ao amor imperfeito, porém real, que compartilha com Elliot.
Do ponto de vista visual, a produção apresenta cenários oníricos amplos e cheios de elementos caóticos e coloridos. Algumas sequências de pesadelo, segundo observadores, podem ser intensas para crianças menores. Woo, que trabalhou por anos na Pixar antes de fundar o estúdio Kuku Studios, afirmou que os ambientes do mundo dos sonhos foram construídos a partir de emoções e experiências concretas.
“Todo mundo dos sonhos surge de algo que as crianças vivenciaram na vida real”, explicou. “É mais ou menos assim que os sonhos funcionam para mim, fragmentos do dia remontados à noite”. Ele citou como exemplo uma sequência ambientada em um universo de café da manhã, com panquecas falantes e salsichas zumbis. “Isso surgiu da lembrança que Stevie tinha dos cafés da manhã em família”, disse o diretor.
“A comida nos conecta às emoções, ao lar. Rabanada era família para mim quando criança. Então, quando o sonho dela transforma essa lembrança em caos, trata-se, na verdade, de ela perceber que até as coisas boas podem parecer assustadoras quando se tem medo da mudança”, acrescentou, de acordo com o The Christian Post.
Ao comentar a mensagem central do filme, Woo afirmou que deseja apresentar às crianças e aos adultos a ideia de que riso e lamento, ordem e desordem podem conviver, e que a imperfeição faz parte da construção da resiliência. Ele observa os pesadelos como possíveis lembretes de que é preciso crescer e despertar para aquilo que realmente importa. O texto de Tiago, no Novo Testamento, é mencionado nesse contexto: “Meus irmãos, considerem motivo de grande alegria o fato de enfrentarem provações, pois vocês sabem que a prova da sua fé produz perseverança”.
“Há muita pressão sobre as crianças hoje em dia”, afirmou. “As redes sociais fazem a vida de todos parecer perfeita. E quando a sua própria vida não corresponde a isso, você sente que tem algo errado com você… Eu queria criar algo que dissesse às crianças que está tudo bem se a vida delas não for perfeita. Isso não significa que elas estão quebradas, significa que elas são reais”.